Por Edivandro Seron*
A biotecnologia pode ser definida como um conjunto de técnicas de manipulação de seres vivos ou parte destes para fins econômicos. Esse conceito amplo inclui técnicas que são utilizadas em grande escala na agricultura desde o início do século XX, como a cultura de tecidos, a fixação biológica de nitrogênio e o controle biológico de pragas. Mas o conceito inclui também técnicas modernas de modificação direta do DNA de uma planta ou de um organismo vivo qualquer, de forma a alterar precisamente as características desse organismo ou introduzir novas.
A principal contribuição da biotecnologia à agricultura é a possibilidade de criar novas espécies a partir da transferência de genes entre duas outras distintas. Essa transferência visa ao desenvolvimento de uma planta com um atributo de interesse econômico, como é o caso das plantas resistentes a pragas.
Os organismos geneticamente modificados (OGMs) contribuem para a redução dos custos de produção, para a produção de alimentos com melhor qualidade e para a o desenvolvimento de práticas menos agressivas ao meio ambiente.
A biotecnologia é uma aplicação da ciência que exige tempo e recursos. Para que uma nova planta esteja disponível aos agricultores são necessários, em média, 13 anos. Nesse período, aproximadamente US$ 150 milhões são investidos. Essa é mais uma razão pela qual é necessário estabelecer cooperações para que os cientistas consigam desenvolver produtos que alcancem o mercado.
Não faltam exemplos bem-sucedidos dessa interação. Nos Estados Unidos, por exemplo, a parceria entre Universidade do Havaí e uma empresa de sementes transgênicas levou ao mercado uma variedade de mamão resistente a um vírus endêmico no arquipélago. A Universidade de Nottingham, no Reino Unido, em conjunto com a iniciativa privada, também estuda variedades transgênicas de frutas. Na América Latina, a Universidade Nacional do Litoral da Argentina é a responsável pela identificação dos genes que expressam a tolerância ao estresse hídrico em soja transgênica recentemente aprovada. Uma empresa local introduziu o gene no vegetal.
No Brasil, é também com base na colaboração que a Embrapa, uma instituição pública de pesquisa, está desenvolvendo e lançando produtos biotecnológicos. Em parceria com a Agência de Cooperação Internacional do Japão e da Universidade de Nagoya, a empresa brasileira está em fase avançada na obtenção de cultivares de soja tolerantes à seca. Resultado de um modelo semelhante, após 20 anos de trabalho da Embrapa e uma empresa alemã, foi lançada, em 2015, uma soja geneticamente modificada (GM) tolerante a herbicidas da classe das imidazolinonas.
A relação entre a iniciativa privada e o setor público é cada vez mais atual e relevante para a sociedade. Não cabe mais a simplificação que restringe o público à hipotética vocação para pesquisa de base e o privado à aplicação desse conhecimento no desenvolvimento de produtos.
Parcerias entre esses setores, realizadas de maneira transparente e regulamentada, já resultaram no lançamento de diversas inovações em todo o mundo. De fato, no cenário atual, em que há um grande fluxo de informações, a interação entre a academia, indústria e produtores rurais (usuários das biotecnologias) tem se tornado cada vez mais intensa, levando a uma saudável troca de experiências.
Nos últimos 10 anos, até o momento, o advento da nova CTNBio pela Lei 11.105 de 2005 – a Lei de Biossegurança – proporcionou a aprovação comercial de 96 Organismos Geneticamente Modificados (OGM): 60 eventos em plantas; 24 vacinas veterinárias; 9 microrganismos; 1 mosquito Aedes aegypti; e 2 vacinas para uso humano contra a Dengue. Essas liberações comerciais são a maior prova de que o Brasil lança mão da inovação para encontrar soluções para os desafios da contemporaneidade.
No cenário agrícola, duas culturas se destacam. Soja e milho respondem por 82,8% da produção total de grãos do País. Para essas duas culturas que representam os carro-chefe da agricultura brasileira, a biotecnologia está disponível. Sem a proteção conferida pelas sementes geneticamente modificadas (GM) de soja e milho, seria improvável que os agricultores conseguissem evitar que os insetos e plantas daninhas que atacam as lavouras comprometessem o desempenho.
Segundo levantamento da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja-Abrass, em 2015 foram aprovados para uso comercial no Brasil, 4 novas tecnologias OGM em soja e 11 tecnologias para a cultura do milho. Entre as novas tecnologias, destacam a tolerância a novos herbicidas para controle de plantas daninhas resistentes ao glifosato. Nesse ano de 2016, até o momento, foi aprovado nova tecnologia em soja com maior resistência a lagartas e tolerância ao herbicida glufosinato de amônio, além de mais 3 novas tecnologias em milho com destaque a resistência a insetos que atacam as raízes das plantas.
Ainda está na pauta da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança-CTNBio a aprovação de 6 novas tecnologias para a cultura da soja e outras 5 para o milho, além de tecnologias para o algodão e cana de açúcar.
Em regras gerais, para aprovação da CTNBIO, as novas tecnologias OGMs precisam ser submetidas a avaliação quanto a sua biossegurança em quatros áreas essenciais: saúde humana, animal, vegetal e ambiental. A CTNBIO está ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), composta por 54 membros cientistas, especialistas nos temas que envolvem a avaliação de risco dos OGMs.
Embora a tecnologia seja uma aliada incontestável, é fundamental que os produtores rurais manejem adequadamente as lavouras OGMs. O uso sustentável dessa tecnologia é dependente da implementação de um programa efetivo de Manejo da Resistência para se prolongar a vida útil das ferramentas.
Para mantermos o desempenho da agricultura brasileira, devemos reconhecer que o agricultor está atento às recomendações técnicas e estimular programas de educação e extensão rural com vistas à multiplicação das boas práticas agrícolas e manejo das tecnologias OGMs. A equação do agronegócio só será bem-sucedida se toda a cadeia produtiva estiver engajada na adoção de práticas agronômicas que visem a sustentabilidade da tecnologia. Essa estratégia é essencial pois o desenvolvimento de uma semente com novas características precisa acompanhar a velocidade dos desafios do campo.
Edivandro Seron é consultor da Abrass, responsável pela Comissão de Tratamento de Sementes Industrial (TSI).