Maria de Fátima Zorato

A natureza desnuda as vulnerabilidades como um todo e não atua diferente na agricultura. Se assim entendermos, ficará mais fácil decifrar algumas ações e reações decorrentes em genótipos de soja, porém, antes vamos retroceder um pouco. 

Em 2011, eu li atentamente um artigo publicado no Anuário da Abrasem – Associação Brasileira de Sementes e Mudas, muito bem detalhado por Arias e colaboradores intitulado: “Características atuais e futuras das cultivares brasileiras de soja”. Ressaltavam a sequência de mudanças, a partir de meados dos anos 1980, e que culminava na soja que estava incrementando sua competitividade mundial através de tecnologias inovadoras, viabilizando tanto os aumentos em produtividade quanto a adaptação aos diferentes sistemas de produção. Referenciaram as substituições gradativas em ciclo e do tipo de hábito de crescimento, passando respectivamente, de ciclo longo que representavam menores riscos, à ciclo cada vez mais precoce, e do tipo de crescimento determinado para o indeterminado.  

Diga-se que atualmente, estas duas características têm sido preferenciais dos agricultores e incentivadas nos portfólios de empresas obtentoras.  
   
Por que o texto despertou tanto a minha atenção? Por questões expostas. Dentre todas, de interesse a agricultura, mas em especial, algumas para quem se dedica à produção de sementes: “quais as interações das cultivares indeterminadas com algumas doenças e pragas e com a qualidade de sementes? E que o encurtamento de ciclo é importante, mas que caberia refletir até que ponto, pois certamente haveriam anos ruins, e o excesso de precocidade poderia fragilizar o sistema, aumentando demasiadamente os riscos do produtor”. 

Pois bem, demorou um pouco para cair a ficha de que “as coisas estranhas” que estavam ocorrendo em sementes de soja estivessem ligadas ao assunto tão bem descrito. Então, em 2015, corajosamente, comecei a escrever, fazer apresentações e treinamentos, abordando distorções na qualidade e, para meu espanto, eu não estava enxergando sozinha. 

Dentro de laboratórios de análise de sementes do país inteiro, muitos analistas estavam convivendo com situações não explicadas e, até então desconheciam que esse ou aquele “defeito físico”, assim passei a denominar, tivesse implicações no potencial fisiológico. De onde vinham e o que são estas coisas? Dependendo do ano climático, ocorre um verdadeiro combo, ou seja, uma associação de danos diferentes dos habituais, na produção de soja. E, observamos que estão aumentando a cada ano. 

Nesta safra 2019/20 a perda foi muito grande no Rio Grande do Sul onde prevaleceu o déficit hídrico associado as elevadas temperaturas durante períodos relevantes da escala fenológica. Não que os demais Estados produtivos, sobretudo, na parte de predominância tropical, não tenham enfrentado situações difíceis, mas já convivem com isso há mais tempo. O susto foi e poderá ser muito maior, caso seja negligenciada uma nova maneira de interpretar os fatos. 

Podemos afirmar que a convivência não é harmoniosa com células verdes – sementes verdes e esverdeadas – com depressões e enrugamentos, em cotilédones ou no eixo embrionário, os quais não advém de deterioração por chuva, mas sim, por secagem excessivamente rápida sob temperaturas estratosféricas, ligados às Proteínas de Choque Térmico – com sementes desidratadas, com teor de água abaixo de 9,0% - com presença de sementes duras -  com sementes com diferentes tipos de manchas, inclusive  algumas cultivares apresentando elevadíssimos níveis de mancha púrpura, entre muitos outros problemas detectados na produção de sementes de soja no Brasil. Tudo com potencial de prejuízos e consequências, especialmente no período de semeadura, podendo propiciar resultados indesejáveis, geradores de reclamações. 

Sendo assim, o que precisa neste momento? Imperar a execução técnica. Em laboratórios, com amostragens representativas, deve-se utilizar metodologias corretas, observar como os testes rotineiros estão indicando coisas que não costumavam indicar. Ou seja, precisa se trabalhar com os testes da melhor forma possível, adequando a esta concretude posta à nossa frente, para que tenhamos os caminhos dos problemas fundamentais da conexão causal. Ao meu ver, somente deste modo, saberemos o que será reverberado no momento de semear, época igualmente de dias desconhecidos e de surpresas como foi no último ano, 2019.  

O protagonismo dos bons laboratórios será determinante nas incertezas que existem e, ainda poderão auxiliar nas flexibilidades de riscos da qualidade que fica à deriva quando as armadilhas climáticas atuam. É importante ressaltar que as variações das condições climáticas, nas diferentes regiões produtoras e as respostas diferenciadas dos genótipos aos estímulos ambientais podem ser limitantes ao vigor, que é um dos fortes construtores da produtividade. 

" O protagonismo dos bons laboratórios será determinante nas incertezas que existem e, ainda poderão auxiliar nas flexibilidades de riscos da qualidade que fica à deriva quando as armadilhas climáticas atuam."

Eu particularmente, analisando as indagações do texto inicial, nove anos depois, vejo ano a ano crescentes as consequências das interações dos fatores ambientais com a genética de soja contemporânea e, o excesso de precocidade pode estar fragilizando a produção de sementes. Quais são os efeitos dos microclimas regionais vigentes, na duração do período da sobreposição das fases vegetativa e reprodutiva, em cultivares de hábito de crescimento indeterminado? Resta-nos a aprender conviver e superar estes desafios com ações que minimizem decorrências colaterais na qualidade de sementes, uma vez que a produtividade das cultivares estão sendo significativas aos agricultores e à competitividade do Brasil no cenário mundial. 

Fonte: Revista Seednews